Henry Nouwen escreveu um livro muito rico e inspirador que se chama “O paradoxo da solidão”. Qual seria esse paradoxo? Segundo ele, o homem que se retira da sociedade para se autoconhecer, foge, infantil, de si mesmo. Depois de um tempo, corre novamente para ao encontro da multidão, inconscientemente como uma criança assustada.
E assim segue em um ciclo infinito até o seu despertar. Afinal, depois de correr para multidáo, sente-se atordoado e faminto pelo excesso de estímulos e tarefas e refugia-se, novamente, buscando a paz.
Encontra-se no silêncio consigo mesmo. Angustia-se com o que encontra e retoma esse ciclo extenuante.
Para o autor, no pouco tempo que dispomos para viver, podemos fazê-lo quando vivemos criativamente a partir da solidáo. Mas de que solidão ele nos fala? Da solidão de vivermos desprendidos dos resultados de nossos trabalhos. De entendermos que viver atrelados ao sucesso ou fracasso só nos conduzirá à infelicidade. Se vivemos desapegados, só assim poderemos viver em paz e envelhecer em paz.
A velhice, segundo ele, pode ser torturante se for sinônimo de um balanço entre como vivemos a vida, quais metas alcancamos, o que fizemos com nosso tempo. Mas se conseguirmos de fato relaxar e aproveitar cada pequena oportunidade que se apresenta, podemos encontrar o maior presente da solidão: a solicitude, ou seja, o cuidado com o outro.
Na solicitude não tem barganha. O amigo que tem solicitude [e aquele que fica em silêncio ao nosso lado em um momento de desespero e confusão. Náo querendo nos arrancar de lá, mas ajudando-nos com o mais profundo estado de presença, testemunhar a realidade que ali se apresenta. Somente quando vivemos com solicitude, conseguimos chorar com os que choram.
Júlia Cameron também é uma autora que fala do valor de momentos de solidão criativa. Segundo ela, pessoas criativas, que já compreenderam que a vida transcende a pura materialidade, necessitam ardentemente de momentos em que possam se expressar sem interrupções. Muitos dias longe de nossa escrita, de nossas preces, de nosso ateliê provocam graves consequências. A primeira delas, nos tornamos irritadiços, incomodados, até mesmo agressivos com os outros. “Se eu pudesse eu matava um – diz um artista ou uma mãe irritada”. Gritamos, nos irritamos, perdemos a paciência no trânsito, despejamos essa energia acumulada nos outros. Com o tempo, em um nível mais profundo, consciente ou inconscientemente, deixamos de fazer isso e mergulhamos em processos autodestrutivos. Comemos demais, assistimos tv demais, passamos tempo em redes sociais demais, fazemos sexo demais, jogamos demais e o mais silencioso dos males, que às vezes se apresenta revestido de virtude… trabalhamos demais. Nos entregamos à torrente infindável dos afazeres – e que nossa sociedade moderna é especialista para, distraídos, não mergulharmos na solidão.
Uma terceira reflexão e investigação sobre criatividade e solidão foi proposta pelo Psiquiatra e Psicólogo Anthony Storr. Ele se debruça sobre o fato de grande parte de poetas, romancistas, compositores e, em menor grau, dos pintores e escultores passarem boa parte do tempo sozinhos. Isso contrastava com os pressupostos da psicanálise em que o homem é um ser social que precisa de companhia e afeto de outros seres humanos. Pela vertente psicanalítica, os relacionamentos interpessoais de caráter íntimo são a principal, e talvez única, fonte de felicidade humana. Intrigava o autor que
a vida dos indivíduos criativos com frequência parecia contrariar essa suposição. Descartes, Newton, Locke, Pascal, Spinoza, Leibniz,
Schopenhauer, Kant, Nietzsche, Kierkegaard e Wittgenstein. Alguns desses gênios tiveram casos passageiros com
outros homens ou mulheres; outros, como Newton, permaneceram solteiros. Como seria essa complexa relação com a solidão?
Não tenho respostas para dialogar com estes autores, mas tenho algum respaldo científico e alguns anos de prática empírica para compartilhar. Todo criativo precisa de momentos de solidão. E se todos nós somos criativos, isso se aplica a todos nós. A necessidade de retirar-se do caos cotidiano da rotina para observar o que se passa dentro de si, de ver novas paisagens, de experimentar o novo. Uma viagem só ou com alguns amigos, uma ida sozinho ao cinema, um momento no dia para escrever. A intuição requer ouvidos atentos e sentidos aguçados. Mas é só uma sugestão dessas surgir no horizonte da mente, para ser refutada. Viajar sozinha por cinco dias? Egoísmo! Uma aula de cerâmica em plena quinta-feira? Não posso, preciso levar meu filho ao futebol. No fundo, o que costuma nos dar medo é onde essa liberdade toda pode nos levar. “Esse caminho novo vai destruir meu casamento.” “Se eu continuar assim vou acabar pedindo exoneração de cargo e vou morrer de fome.” “Se eu continuar me divertindo, vou descobrir que meu emprego está acabando com minha vida e depois eu vou fazer o quê?” “Vai que eu retomo aquele sonho antigo de ser cantora e vou ter que abandonar minha vida em Brasília? A verdade é que, atordoados com perspectivas futuras, não conseguimos paz para fazer uma aula de canto. Ou nos deliciarmos comprando lápis de cores novos e usufruindo de uma tarde de expressão artística.
Eu mesma, quando comecei a me tratar melhor, com atenção e muito mais carinho, descobri na minha cabeça vozes que não são minhas. Veja só um fato que aconteceu. Ano passado, decidimos (eu e meu esposo), em academias diferentes por uma questão de logística, inserir a atividade física em nossas vidas de uma maneira mais regular. Fizemos aulas experimentais, escolhemos as atividades que mais se encaixavam para cada um e fizemos as nossas matrículas. Quando eu estava fazendo a minha, quase tive uma crise de ansiedade sem saber o porquê. Respirando e revisitando meus sentimentos, descobri que uma voz de controle na minha cabeça estava dizendo que malhar em academias diferentes iria nos colocar em contato com pessoas diferentes, no caso, mulheres mais jovens, mais bonitas, muito mais interessantes, e que nosso casamento estaria em risco. Essa voz do medo e do controle, que contrariava todo a nossa intuição criativa de malhar, de ganhar saúde, de ter novos relacionamentos, de ganhar mais energia, queria plantar ali uma semente de dúvida. Mas não conseguiu. Um ano depois, mais magros, cheios de energia e dispostos, vimos como ouvir a voz da intuição e do autocuidado fez toda a diferença. No meu caso, a intuição me levou para o vôlei e isso se tornou um dos pilares da minha vida.
Quais são as dicas práticas para praticar solidão e criatividade?
• Não tenha medo de olhar pra dentro. Diz uma dessas frases de rede social que “coragem é a capacidade de olhar pra dentro de nós mesmos sem se assustarmos”. Reconhecer a inveja, o controle, o ciúme, mas também a alegria, a paz e a compaixão sem nada negar, é combustível para nosso desenvolvimento pessoal.
• Experimente. Deixemos de lado esse receio de tentar. Na internet tem várias aulas grátis do que quisermos: flamenco, edição de vídeo, teclado, dança flamenca… por que não tentar algo novo de vez em quando?
• A escrita é um lugar seguro para mergulhar na individualidade. Descobri que quando olho minha mão com uma caneta se movendo por uma página, já estou no lugar do observador.
• Trilhas na natureza são excelentes pontos de conexão entre corpo e mente. Dar passos seguros, sentir o corpo pulsando, o barulho das águas, os insetos, as formigas, o vento no rosto. E se você acha que natureza bonita é na foto não precisa ser uma caminhada difícil. Um passeio no parque, uma trilha sinalizada em algum lugar seguro já é um bom começo.
• Aprendamos a apreciar nossa companhia. Quando cessam os barulhos, acessamos o divino em nós.
E assim segue em um ciclo infinito até o seu despertar. Afinal, depois de correr para multidáo, sente-se atordoado e faminto pelo excesso de estímulos e tarefas e refugia-se, novamente, buscando a paz.
Encontra-se no silêncio consigo mesmo. Angustia-se com o que encontra e retoma esse ciclo extenuante.
Para o autor, no pouco tempo que dispomos para viver, podemos fazê-lo quando vivemos criativamente a partir da solidáo. Mas de que solidão ele nos fala? Da solidão de vivermos desprendidos dos resultados de nossos trabalhos. De entendermos que viver atrelados ao sucesso ou fracasso só nos conduzirá à infelicidade. Se vivemos desapegados, só assim poderemos viver em paz e envelhecer em paz.
A velhice, segundo ele, pode ser torturante se for sinônimo de um balanço entre como vivemos a vida, quais metas alcancamos, o que fizemos com nosso tempo. Mas se conseguirmos de fato relaxar e aproveitar cada pequena oportunidade que se apresenta, podemos encontrar o maior presente da solidão: a solicitude, ou seja, o cuidado com o outro.
Na solicitude não tem barganha. O amigo que tem solicitude [e aquele que fica em silêncio ao nosso lado em um momento de desespero e confusão. Náo querendo nos arrancar de lá, mas ajudando-nos com o mais profundo estado de presença, testemunhar a realidade que ali se apresenta. Somente quando vivemos com solicitude, conseguimos chorar com os que choram.
Júlia Cameron também é uma autora que fala do valor de momentos de solidão criativa. Segundo ela, pessoas criativas, que já compreenderam que a vida transcende a pura materialidade, necessitam ardentemente de momentos em que possam se expressar sem interrupções. Muitos dias longe de nossa escrita, de nossas preces, de nosso ateliê provocam graves consequências. A primeira delas, nos tornamos irritadiços, incomodados, até mesmo agressivos com os outros. “Se eu pudesse eu matava um – diz um artista ou uma mãe irritada”. Gritamos, nos irritamos, perdemos a paciência no trânsito, despejamos essa energia acumulada nos outros. Com o tempo, em um nível mais profundo, consciente ou inconscientemente, deixamos de fazer isso e mergulhamos em processos autodestrutivos. Comemos demais, assistimos tv demais, passamos tempo em redes sociais demais, fazemos sexo demais, jogamos demais e o mais silencioso dos males, que às vezes se apresenta revestido de virtude… trabalhamos demais. Nos entregamos à torrente infindável dos afazeres – e que nossa sociedade moderna é especialista para, distraídos, não mergulharmos na solidão.
Uma terceira reflexão e investigação sobre criatividade e solidão foi proposta pelo Psiquiatra e Psicólogo Anthony Storr. Ele se debruça sobre o fato de grande parte de poetas, romancistas, compositores e, em menor grau, dos pintores e escultores passarem boa parte do tempo sozinhos. Isso contrastava com os pressupostos da psicanálise em que o homem é um ser social que precisa de companhia e afeto de outros seres humanos. Pela vertente psicanalítica, os relacionamentos interpessoais de caráter íntimo são a principal, e talvez única, fonte de felicidade humana. Intrigava o autor que
a vida dos indivíduos criativos com frequência parecia contrariar essa suposição. Descartes, Newton, Locke, Pascal, Spinoza, Leibniz,
Schopenhauer, Kant, Nietzsche, Kierkegaard e Wittgenstein. Alguns desses gênios tiveram casos passageiros com
outros homens ou mulheres; outros, como Newton, permaneceram solteiros. Como seria essa complexa relação com a solidão?
Não tenho respostas para dialogar com estes autores, mas tenho algum respaldo científico e alguns anos de prática empírica para compartilhar. Todo criativo precisa de momentos de solidão. E se todos nós somos criativos, isso se aplica a todos nós. A necessidade de retirar-se do caos cotidiano da rotina para observar o que se passa dentro de si, de ver novas paisagens, de experimentar o novo. Uma viagem só ou com alguns amigos, uma ida sozinho ao cinema, um momento no dia para escrever. A intuição requer ouvidos atentos e sentidos aguçados. Mas é só uma sugestão dessas surgir no horizonte da mente, para ser refutada. Viajar sozinha por cinco dias? Egoísmo! Uma aula de cerâmica em plena quinta-feira? Não posso, preciso levar meu filho ao futebol. No fundo, o que costuma nos dar medo é onde essa liberdade toda pode nos levar. “Esse caminho novo vai destruir meu casamento.” “Se eu continuar assim vou acabar pedindo exoneração de cargo e vou morrer de fome.” “Se eu continuar me divertindo, vou descobrir que meu emprego está acabando com minha vida e depois eu vou fazer o quê?” “Vai que eu retomo aquele sonho antigo de ser cantora e vou ter que abandonar minha vida em Brasília? A verdade é que, atordoados com perspectivas futuras, não conseguimos paz para fazer uma aula de canto. Ou nos deliciarmos comprando lápis de cores novos e usufruindo de uma tarde de expressão artística.
Eu mesma, quando comecei a me tratar melhor, com atenção e muito mais carinho, descobri na minha cabeça vozes que não são minhas. Veja só um fato que aconteceu. Ano passado, decidimos (eu e meu esposo), em academias diferentes por uma questão de logística, inserir a atividade física em nossas vidas de uma maneira mais regular. Fizemos aulas experimentais, escolhemos as atividades que mais se encaixavam para cada um e fizemos as nossas matrículas. Quando eu estava fazendo a minha, quase tive uma crise de ansiedade sem saber o porquê. Respirando e revisitando meus sentimentos, descobri que uma voz de controle na minha cabeça estava dizendo que malhar em academias diferentes iria nos colocar em contato com pessoas diferentes, no caso, mulheres mais jovens, mais bonitas, muito mais interessantes, e que nosso casamento estaria em risco. Essa voz do medo e do controle, que contrariava todo a nossa intuição criativa de malhar, de ganhar saúde, de ter novos relacionamentos, de ganhar mais energia, queria plantar ali uma semente de dúvida. Mas não conseguiu. Um ano depois, mais magros, cheios de energia e dispostos, vimos como ouvir a voz da intuição e do autocuidado fez toda a diferença. No meu caso, a intuição me levou para o vôlei e isso se tornou um dos pilares da minha vida.
Quais são as dicas práticas para praticar solidão e criatividade?
• Não tenha medo de olhar pra dentro. Diz uma dessas frases de rede social que “coragem é a capacidade de olhar pra dentro de nós mesmos sem se assustarmos”. Reconhecer a inveja, o controle, o ciúme, mas também a alegria, a paz e a compaixão sem nada negar, é combustível para nosso desenvolvimento pessoal.
• Experimente. Deixemos de lado esse receio de tentar. Na internet tem várias aulas grátis do que quisermos: flamenco, edição de vídeo, teclado, dança flamenca… por que não tentar algo novo de vez em quando?
• A escrita é um lugar seguro para mergulhar na individualidade. Descobri que quando olho minha mão com uma caneta se movendo por uma página, já estou no lugar do observador.
• Trilhas na natureza são excelentes pontos de conexão entre corpo e mente. Dar passos seguros, sentir o corpo pulsando, o barulho das águas, os insetos, as formigas, o vento no rosto. E se você acha que natureza bonita é na foto não precisa ser uma caminhada difícil. Um passeio no parque, uma trilha sinalizada em algum lugar seguro já é um bom começo.
• Aprendamos a apreciar nossa companhia. Quando cessam os barulhos, acessamos o divino em nós.
Consultora na área de criatividade, professora, escritora, palestrante e redatora publicitária. Apreciadora de histórias.